domingo, 10 de novembro de 2019

Hebe - A Estrela do Brasil

Hebe Camargo dispensa apresentações, mas é sempre bom reforçar o que foi essa mulher. Em tempos onde o preconceito era muito mais explícito e a censura política estava no auge, tínhamos uma apresentadora que falava o que bem entendia e ao vivo, enfrentando o que viesse na torcida de uma vida melhor para todos os brasileiros.

Andréa Beltrão conseguiu encontrar uma forma tão incrível de interpretação que não deixou a personagem virar uma imitação ou uma caricatura da Hebe. A forma de falar, de se expressar e todo "o jeitinho" da apresentadora ficaram suaves. Dava pra ver a simpatia da apresentadora no corpo e em cada gesto da Andréa Beltrão.

Hebe de fato era um acontecimento para a época por ser mulher e por ser questionadora sem perder o brilho, a vaidade e o bom humor. Trata-se de um recorte do patrimônio do nosso país. A apresentadora entrevistava travestis quando o preconceito era escancarado e teve a audácia de encarar até uma possível prisão. Hebe Camargo era uma mulher corajosa, determinada e que comprava a briga do povo. Lutava por um cenário político melhor sem perder o sorriso e o carisma. Uma mulher feliz mesmo quando estava triste.

Agora eu vou parar de falar um pouquinho sobre a loira e vou ter que emendar a minha opinião política aqui no texto. Não sou grande entendedor e nem estudioso no assunto. Talvez a Hebe também não fosse, mas gosto de dizer o que me incomoda. E as falas unidas ao preconceito do nosso presidente atual me incomodam. A trama se passa lá pelos anos 80, mas se tratando da nossa política de hoje no Brasil, na qual não me sinto representado, é quase que inevitável perceber o quanto uma pessoa como a Hebe faz falta e o quanto essa cinebiografia da vida dela é atemporal. Que bom que esse filme existe como forma de eternizar esse ícone da televisão brasileira que ela foi. Precisamos de mais pessoas assim como Hebe Camargo.

terça-feira, 21 de março de 2017

Logan

Logan (ou Wolverine) já é referência entre as adaptações cinematográficas dos quadrinhos. E o longa dessa vez traz um personagem melancólico, debilitado e com a imortalidade questionada. Ele vive como chofer, cuida do nonagenário Charles Xavier e não faz nenhuma questão de voltar à ativa como X-Men, mas tudo muda quando ele conhece Laura, uma menina literalmente criada para matar.

O filme equilibra muito bem o novo e o velho Logan. O passado e o presente do Wolverine se encaixam como uma reverência pra ele mesmo, uma espécie de "palmas para o que eu fiz durante todos esses anos." Sem contar que a ideia de colocar um clone do personagem foi uma sacada de gênio para fazer a gente relembrar os velhos tempos. A produção do filme é ótima, a Marvel realmente não brinca em cena, e dessa vez a produtora resolveu não poupar sangue. Assim que o Logan crava suas garras no primeiro adversário, percebemos que não estamos diante de uma filmagem sombreada pelos efeitos visuais para neutralizar (ou desfocar) a violência das cenas. Essa abordagem abrutalhada traz uma dose de realidade pra vida do personagem, mostrando que dentro daquela carcaça cansada existe um mutante que carrega nas costas tudo aquilo que já fez.

A vulnerabilidade de Logan traz um misto de emoções para os fãs da saga, afinal o Wolverine já não é mais o mesmo, ele pode se machucar e até morrer. E depois de 17 anos, e nove vezes no papel, é bem provável que esta seja a despedida de Hugh Jackman como o nosso querido mutante de adamantium. Por outro lado, a entrada da pequena Dafne Keen como Laura Kinney é o grande presente que ganhamos do filme. Sim, Logan nos deixa uma herança. Uma menina acuada, violenta, uma fera adorável com tanto vigor nas garras que desperta paixão imediata do público (podem apostar!). Talvez a atriz mirim também esteja fadada ao carimbo de um personagem que nunca se desassocia do ator, quem sabe por mais 17 anos de história, ou nove filmes, mas que fique claro que isso não é uma reclamação. É uma torcida.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Estrelas Além do Tempo

O filme se passa em 1961, época em que a sociedade norte-americana vivia (assustadoramente) o auge da intolerância racial. Na trama, conhecemos três mulheres negras inteligentíssimas que trabalham na NASA e são excelentes profissionais. Katherine (Taraji P. Henson), Dorothy (Octavia Spencer) e Mary (Janelle Monáe) são grandes amigas e lutam contra o preconceito e o machismo, tentando ganhar o verdadeiro reconhecimento dentro da empresa. Elas trabalham como computadores humanos, realizando cálculos complexos e essenciais para o sucesso da corrida espacial.

Vale lembrar que trata-se de uma história real, o longa é baseado no livro de Margot Lee Shetterly e roteirizado pela estreante Allison Schroeder e pelo próprio diretor, Theodore Melfi. O filme tem conteúdo de forma sutil, fazendo do diálogo das protagonistas o próprio antídoto para abolir qualquer tipo de preconceito. Cada uma das três luta com um desafio diferente. Katherine tinha que andar um longo trajeto para conseguir ir ao banheiro no trabalho, pois não podia frequentar o mesmo banheiro de mulheres brancas. Dorothy fazia o serviço de uma supervisora e não era reconhecida por tal função. Mary precisou entrar na justiça para poder fazer um curso junto com pessoas brancas. A história traz à tona temas importantíssimos para serem discutidos. É impossível não comprar a briga dessas mulheres e não torcer por elas.

O elenco é excelente, as três merecem igualmente aplausos de pé. Apesar de Katherine ser a personagem principal, todas as três histórias são desenvolvidas de forma interessante. O impacto do preconceito escancarado vai assustar muitos espectadores, mas esta é uma história que precisava ser contada, pois infelizmente faz parte da nossa realidade. E só de lembrar que essa história é real, a admiração que criamos por cada uma delas fica ainda maior. O filme ganha pela simpatia de suas personagens e pela forma como conseguiram transmitir dentro de um cenário racista, cruel e desumano que a única forma de se construir uma sociedade melhor é com respeito e igualdade de oportunidades.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Olimpíadas Rio 2016

Acho que todos nós em algum momento soltamos um "se tá assim agora, imagina nas olimpíadas" e pensamos que os jogos olímpicos no Rio de Janeiro pudesse ser um fiasco mundial. Mas o importante é que deu certo. Merecemos aplausos, recepcionamos muito bem, surpreendemos positivamente estrangeiros e brasileiros. A gente merecia e precisava dessa injeção de otimismo para acreditar na possibilidade real de um país melhor. Isso vem com uma esperança embutida de que podemos ver uma cidade de fato maravilhosa e um Brasil diferente. Essa energia contagiou o mundo todo e precisa continuar. A chama olímpica pode apagar, mas a nossa não.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Já Estou Com Saudades

Para quem ainda não me conhece, sou o Daniel Romano, o chato que escreve para a coluna de cinema na Folha do Rio de Janeiro. Decidi (hoje) fugir um pouco dos filmes em cartaz nas telonas, já que o "mundo netflix" do cinema em casa tem crescido bastante. Enfim, o meu comentário hoje é sobre o filme Já Estou Com Saudades. Jess (Drew Barrymore) e Milly (Toni Collette) são melhores amigas desde a infância. Enquanto Milly se casou, teve dois filhos e construiu uma carreira de sucesso, Jess decidiu levar uma vida pacata ao lado do marido. Após se submeter a um tratamento, Jess enfim consegue engravidar. Mas a notícia vem justamente quando Milly descobre ter câncer de mama e precisa passar por quimioterapia.

Os filmes de doença e amizade se tornaram um subgênero dentro do drama, fazendo uma 'dramédia' (drama+comédia) para que o assunto não seja abordado de forma muito pesada. E essa fórmula tem dado super certo. Toni Collette e Drew Barrymore trazem o melhor da amizade: a honestidade. O resumo disso é o que a experiência da morte se aproximando pode trazer. Um paciente terminal com câncer também pode cometer seus erros e suas loucuras como qualquer ser humano, e o filme engloba isso com clareza e naturalidade.

Já Estou com Saudades tem seu diferencial nos detalhes, no trato pessoal, ainda que o molde prenda as personagens no "desfecho comum". As amigas estão em momentos opostos de vida. Enquanto uma comemora a gravidez, a outra arranca um seio. O entrosamento entre as duas protagonistas mostra que ninguém precisa ser parecido para ter amizade. São as relações pessoais que elevam a história. O teor incorreto de Milly é o melhor tempero da trama. É o que diminui aquela tristeza adocicada que a gente já conhece em uma dramédia. E é isso que faz o desenrolar do roteiro do filme dar certo. A amizade é abordada em alto nível, com todos os altos e baixos que a vida põe a prova. Você vai chorar, mas vai se divertir também.

domingo, 27 de março de 2016

Deadpool

Wade Wilson (Ryan Reynolds) é diagnosticado com câncer em estado terminal, e encontra uma possibilidade de cura em uma sinistra experiência científica. Recuperado, com poderes mutantes e um incomum senso de humor, ele torna-se Deadpool e busca vingança contra o homem que salvou e ao mesmo tempo destruiu a sua vida. Convenhamos que os filmes de super-heróis estão um tanto desgastados. Então, nada melhor do que um anti-herói para agitar um pouco e dar uma modificada no contexto dos quadrinhos, não é mesmo?

Deadpool solta milhões de piadas por minuto. Você precisa ficar atento para não perder nada, porque o cara é um tagarela. A interação do personagem com o público é o ponto acertado do roteiro. Temos sempre a impressão de que estão lendo os nossos pensamentos em cada sacada em que o maluco simplesmente dá um stop na cena e conversa com o espectador. O filme entrega belas sequências de ação misturadas com um humor obsceno e afiado. O nosso ogro-herói chega com cenas engraçadíssimas, piadas péssimas, tiros para todos os lados, muita violência e nenhuma sanidade. Afinal, não lembro de nenhum super-herói ganhando a vida como assassino de aluguel.

Em suma, Deadpool é um deboche sobre tudo e sobre todos. A simplicidade da apresentação da trama e a desconstrução do bom-mocismo são os grandes trunfos do filme. Tudo vira piada. A irreverência do personagem faz a gente rir com alguém levando tiro na cabeça. Nada é levado a sério. Já pararam para ler a sinopse? O cara foi diagnosticado com câncer terminal, e até para isso fizeram piada. Deadpool, obviamente, não é um filme para qualquer um ou para qualquer gosto. O importante é assistir sem nenhum tipo de amarra e nem aguardar uma definição que faça sentido. Trata-se de uma imensa bobagem, não espere algo mais do que isso. Mas a indústria Marvel, famosa pelos nossos super-heróis, apresentava sinais de cansaço, e essa injeção de humor debochado diante dos filmes da própria franquia trouxe um ar diferente, de novos padrões, com uma narrativa divertidíssima. Eu gostei.

Observação importante: nunca esqueça que a Marvel sempre dá um presentinho após os créditos finais. Tenha paciência de deixar todas aquelas letrinhas passarem e divirta-se.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O Regresso

O filme conta a saga de sobrevivência de Hugh Glass, personagem de Leonardo DiCaprio, que é o principal navegador de um grupo de caçadores que ganha a vida vendendo peles de animais. Ele é abandonado pela equipe no meio da floresta após ser atacado por um urso. E é aí que surge a parte nua e crua da trama. A filmagem esbanja sangue sem pudores, e um dos temas mais presentes na história é a batalha entre os exploradores contra os índios americanos. É preciso ter estômago forte para conseguir assistir tudo sem fechar os olhos. A cena do ataque do urso é desesperadora e a respiração do personagem do DiCaprio silencia a sala de cinema.

As brigas têm um sentimento muito próximo da realidade de quem assiste. A brutalidade e a ausência de sentimentos também são protagonistas do longa, e não somente os atores. Leonardo DiCaprio está impecável em cena e é uma boa aposta (e merecida) para a estatueta do Oscar de melhor ator. O trabalho filmado apenas com luz natural também foi um ponto positivo para o filme, trazendo ainda mais realidade para as cenas. O Regresso também se destaca na maquiagem. Os ferimentos, as cicatrizes e a sujeira sanguinolenta dos personagens são muito bem feitas. Peca um pouco na continuidade, mas ok. Ninguém vai notar isso.

O roteiro é simples, a forma como ele foi conduzido é que tornou tudo espetacular. O problema é que depois de mais de duas horas de filme fica um pouco cansativo, pelo fato de já sabermos como será o fim da história. A questão é que isso não diminui a qualidade do longa. Tive que deixar esse "cansaço" de uma filmagem extensa um pouco de lado para escrever este texto, e o bacana (e até engraçado) é que esse desgaste de muitas horas de filme aparece quando os dois personagens centrais também estão desgastados na trama. Não deve ter sido fácil transformar um roteiro simples em uma história com cenas hipnotizantes. Tecnicamente, trata-se de uma produção muito bem filmada, apesar de ter deixado o filme longo demais. Mas infelizmente foi uma consequência necessária de um trabalho muito bem feito.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

A 5ª Onda

Cassie é uma adolescente que luta por sua própria sobrevivência em meio da destruição da humanidade. A 5ª Onda mostra uma invasão alienígena que tem como foco matar os humanos atingindo de quatro formas diferentes: acabando com a energia, gerando catástrofes marítimas, gripe aviária, e, por fim, uma ocupação por terra. E é aí que a trama parece ser interessante, já que os alienígenas podem assumir a forma humana para conseguir o que querem. Os flashes de passado e futuro também nos fazem apostar que a trama vai emplacar. Imaginamos uma Cassie mais madura e menos adolescente. A menina parece estar mais preparada para lutar contra tudo e todos, mas logo em seguida tudo volta ao velho roteiro adolescente bobo, com paixonites comuns, e um diálogo vergonhoso de assistir.

O filme perde o fôlego no decorrer da história. Tem uma cena na qual a garota corre com uma arma na mão e um urso de pelúcia na outra. Achei até bacana a colocação para mostrar uma menina tendo que virar uma mulher diante de uma situação. O problema é que o ursinho vence. A menina continua e não a mulher. Todo o contexto se torna adolescente demais, e acaba parecendo uma cópia do amor proibido de Crepúsculo. Está na moda essa fase da garotada em querer assistir uma humana com um imortal.

O roteiro precisava ter mais originalidade para se tornar interessante. A 5ª Onda, infelizmente, também peca nos efeitos visuais. A onda imensa que destrói tudo não é tão interessante quanto parece. E, por fim, fica meio óbvia a intenção do filme virar uma franquia em mais uma trilogia. O ruim é que logo nessa primeira apresentação faltou qualidade. Vai ser muito complicado conquistar fãs para uma possível continuação. Não existe personalidade nem no filme e nem nos personagens. Na atual Hollywood nada se cria, tudo se copia e tudo se recicla para se atingir a um determinado público alvo. Parece que nem se deram ao trabalho de tentar criar algo decente, simplesmente seguiram uma fórmula que parece ser eficiente.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Os Oito Odiados

Os Oito Odiados é o oitavo filme de Quentin Tarantino, que conta a história de oito homens e uma mulher. Uma diligência cruza a linda paisagem no meio da neve levando John Ruth (Kurt Russell) e sua prisioneira Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) para Red Rock. No caminho eles dão carona para dois estranhos: o Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), um ex-soldado transformado em caçador de recompensas, e Chris Mannix (Walton Goggins), um renegado do sul que diz ser o novo xerife da cidade. Os quatro passam por uma forte tempestade de gelo, e é no Armazém da Minnie, uma parada de diligência nas montanhas, que eles conseguem se proteger do frio. Lá, no lugar da proprietária, eles encontram mais estranhos: Bob (Demian Bichir), encarregado de cuidar do armazém, Oswaldo Mobray (Tim Roth), o vaqueiro Joe Gage (Michael Madsen), e o General Confederado Sanford Smithers (Bruce Dern).

Sou fã dos filmes de Quentin Tarantino, mas é preciso deixar claro que ele não faz questão de agradar todos os estômagos. O próprio afirma que sua carreira será composta por apenas dez filmes, e sua marca registrada é o sangue jorrando na tela. Talvez este seja o filme mais "escrachado" do diretor, já que o deboche e a morte estão sempre se misturando em cena. Todos conhecemos a fama do Tarantino pelos seus textos com longos diálogos casuais e uma trilha sonora única. Em Os Oito Odiados isso permanece, e não é por acaso que a duração do filme é de quase três horas. A forma de apresentação dos personagens que é diferente. Alguns são de trás pra frente e outros são ao decorrer da trama (impossível dizer mais do que isso sem comprometer a história pra quem ainda não assistiu). O interessante é que nos familiarizamos com eles, e lá quando já estamos em quase uma hora de filme, bingo! Você é fisgado por uma trama pra lá de envolvente.

Não existem boas maneiras. Não existe certo ou errado. Isso faz os fãs do gênero se sentirem à vontade de rir de alguém que apanha toda hora ou de dar boas gargalhadas com pessoas vomitando sangue. A trama é tensa, é agoniante, e todos parecem vilões. Nunca sabemos o próximo passo. Temos a sensação de que todos vão morrer a qualquer momento. O elenco é incrível. Samuel L. Jackson deu vida a um personagem único e aposto em uma indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante pra Jennifer Jason Leigh. A mulher deu um show. Daisy é uma das melhores criações femininas de Tarantino. É impressionante a sensação de que tudo pode acontecer no filme. Um homem toca 'noite feliz' no piano, uma mulher depena uma galinha para fazer um guisado, e o sangue começa a jorrar com balinhas coloridas caindo no chão. Tudo isso acontece em uma mesma cena, mesmo que pareça impossível de se encaixar ou fazer sentido. Acho que é por aí... Quentin Tarantino não faz questão de fazer sentido, e eu adoro as loucuras sanguinárias desse maluco.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

No Coração do Mar

O filme, pra quem não sabe, é inspirado no livro da história de Moby Dick, aquela baleia branca assassina que todo mundo já conhece. Herman Melville é um escritor em crise profissional. Ele precisa emplacar um sucesso de vendas, e não somente por uma questão financeira, mas principalmente pra se auto afirmar como autor. Thomas Nickerson é um amargurado ex-caçador de baleias, e o único tripulante ainda vivo da expedição do navio Essex (feita há mais de trinta anos). Um tem o que o outro precisa. Um homem com uma história de vida interessantíssima pra ser contada e outro querendo contar.


A trama faz os estômagos mais "treinados" embrulharem, mostrando com precisão como se tira o óleo de uma baleia. Vale esclarecer que os baleeiros precisam voltar pra casa com centenas de barris desse óleo para serem bem vistos como profissionais do mar. Como já se imagina, a baleia branca deixa os homens à deriva. Eles vivem em condições desumanas, tendo menos do que o mínimo pra sobreviver. E é aí que a história ganha mais intensidade. Se os homens não têm o que comer e algum tripulante morre, adivinhem o que será feito? Enfim, também preciso falar da experiência em 3d, que não faz muita diferença. O visual é bonito, mas não melhora e nem fica mais interessante em terceira dimensão. Aquele foco em alto-relevo que salta aos nossos olhos com a tecnologia 3d não se destaca tanto.

"No Coração do Mar" traz um roteiro com realidade, mas não muito diferente do que já vimos. O ponto acertado é o passado e o presente sendo apresentados com igualdade. O público consegue acompanhar uma fase sem esquecer da outra. Os personagens estão presentes com a mesma importância nas duas etapas da trama. Não há muita originalidade no filme, parece que estamos assistindo uma mistura de várias obras. Mas temos uma breve reflexão sobre o homem contra a natureza, trazendo um gancho importante pra ser discutido. A primeira cena da baleia caçada, com o último esguicho misturando água e sangue, é um dos pontos altos da história. Apesar de não haver grandes surpresas, ou aquela sensação de ser algo repetido, eu gostei. A tristeza do naufrágio emociona e silencia o espectador. Depois de uma experiência dessa, eu não entraria no mar nem pra tomar banho.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Clube

Pablo Larraín apresentou ao público um dos filmes mais polêmicos dos últimos tempos. O chileno O Clube é praticamente uma afronta à Igreja Católica. A história se passa em uma casa em uma cidadezinha pequena, onde um grupo de padres vive em confinamento. Eles são afastados da Igreja por algum tipo de mau comportamento. Há o padre pedófilo, o
que foi conivente com crimes da ditadura militar, o traficante de bebês e etc. Cada um daqueles religiosos tem uma espécie de "currículo negativo" contra tudo que não se espera de um padre, e para não irem pra cadeia eles precisam viver aquela reclusão religiosa obrigatória.

O filme é muito interessante, mas não tem nenhum tipo de beleza fotográfica. As cenas têm uma filmagem sombria e nos deixa com a impressão de que aquela paisagem "suja" foi feita de propósito. A impressão que eu tive foi de que tudo está estragado por conta daqueles seres humanos horríveis, e a luminosidade ruim amplia o sentimento de repulsa que temos diante daquelas pessoas. E isso é um ponto positivo, ok? É igual quando odiamos um vilão. Sinal de um trabalho bem feito. Falando em vilão, vale ressaltar que não há nenhum rastro de mocinho na trama. Não tentem encontrar algum personagem para torcer por um final feliz. Não existe felicidade no roteiro. Não é o Clube do Bolinha. O filme traz uma infelicidade de alma dentro daqueles personagens com uma carga pesada e profundamente abominável.

O Clube não veio para agradar todos os estômagos, isso precisa ficar bem claro. Visualmente, o filme é desprovido de qualquer tipo de sensação agradável. Trata-se de pessoas psicologicamente doentes, e tudo em volta parece contaminado de alguma forma: a filmagem, os personagens, a cidade, a fotografia, o público. A sensação que temos é de que tudo ali parece estar podre. É preciso fazer um trabalho muito bem elaborado para se conseguir chegar nesse extremo desconforto com a putrefação humana. E Pablo Larraín acertou, fazendo nascer um filme interessantíssimo do desagradável. O Clube é vencedor do Urso de Prata no Festival de Berlim deste ano, e veio mesmo para desconcertar a Igreja Católica e tirar a lama escondida debaixo dos tapetes.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Que Horas Ela Volta?

Regina Casé vive a empregada doméstica Val, que trabalha há anos para uma família rica em São Paulo. Ela não vê sua filha há uma década, e ajudou a criar Fabinho, o filho único da patroa. O garoto é a comprovação da tão famosa frase que diz que dinheiro não traz felicidade. O rapaz cresce tendo Val como referência materna e não consegue ter o mesmo laço com a mãe biológica. O preconceito de classes sociais surge com a chegada de Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, que sai do Pernambuco para prestar vestibular em São Paulo. A jovem faz uma verdadeira revolução dentro da monotonia do casarão.


“Que Horas Ela Volta?” aborda o cotidiano comum da melhor forma possível. As cenas são filmadas com simplicidade de gestos e mostra a rotina familiar de forma minuciosa. O jogo de cena com a personagem de costas é uma ideia bem interessante. Deixa desde o começo a sensação de que ali não era o lugar dela, que mesmo inconscientemente Val não estava por completo naquela casa e com aquela família. A dondoca Bárbara (Karine Teles) deixa claro o tempo todo que patrão é patrão e empregado é empregado. Fica nítido que a pernambucana arretada nunca foi realmente considerada da família, e a única que não tem essa percepção é a própria Val.

O filme é muito bem encenado na forma de mostrar a rotina doméstica somada ao vazio de pessoas que dividem o mesmo teto e mal se conhecem. Isso vai desde um vaivém de louças até uma preferência de sorvete. Tudo é trabalhado de forma genuína e resgata a simplicidade do afeto, o cuidado com a família, o interesse de saber do que o outro gosta. Fico muito feliz quando vejo um filme nacional dando certo. A trama de Anna Muylaert é um registro importantíssimo, mostrando que somos capazes de ser mais do que o país do futebol. Sabemos contar boas histórias sem prostituição, sem tiro e sem violência. Sabemos apresentar um filme de qualidade internacionalmente e concorrer com igualdade à estatueta do Oscar. Parabéns, Regina Casé, por homenagear com maestria essas tantas milhões de mulheres dignas, guerreiras e batalhadoras. Parabéns por resgatar sentimentos que parecem estar em desuso ou fora de moda. Muito obrigado por nos fazer sentir orgulho do cinema brasileiro.